Friday, March 13, 2015

A estrela solitaria

O que havia dentro do envelope: fotos minhas, informacoes sobre meu passado na Alemanha, meus estudos de doutorado e uma carta bastante atenciosa do Sr. Walter, o zelador do meu predio. Ele havia impresso em cores e plastificado tudo o que ele achou sobre mim no Google. Isso era assustador.
Eu subi correndo as escadas do predio, ate o meu apartamento no terceiro andar. Abri a porta da cozinha ofegante, acendi a luz, e ao assentar-me na cadeira, meu celular tocou.
- Ola, acabo de ver que voce chegou em casa.
Sim, era ele! O velhinho estava la de plantao, observando tudo da sacada e esperando a hora que eu retornaria em casa e encontraria aquela surpresa.
A perseguicao continuou nos proximos dias, com mais cartas, presentes e tentativas de visitas a noite.
Eu tinha um spray de pimenta e nao saia de casa sem ele.
O medo de uma companhia indesejada se tornou maior que a solidao. Mas o isolamento tambem nao se parecia em nada com uma protecao.
- Voce precisa de um namorado - disse um colega de trabalho finlandes que eu acabara de conhecer durante um curso.
Aquele momento tumultuado nao era o mais apropriado para um romance. Eu trabalhava muito na empresa, havia muito o que aprender no novo emprego. O processo de adaptacao no novo pais seguia lentamente, e a pe. Eu tentava tirar minha carteira de motorista naquela epoca. O mercado mais proximo ficava a 1.5 Km e eu vinha carregando as minhas sacolas pesadas, observando a lua nascendo entre  as montanhas.
Pensamentos de uma vida mais equilibrada me acompanhavam continuamente: em um futuro proximo tudo se estabilizaria.










Sunday, January 4, 2015

Em busca de um lar

"Just know your are not alone
I´m gonna make this place your home"

A campainha soou novamente naquela noite enquanto eu já me preparava para dormir.
Ao olhar pelo buraquinho da porta, pude ver que se tratava do zelador do meu condomínio. O velhinho prestativo era bastante ativo na visitação dos moradores. Era a terceira vez que ele vinha a minha porta aquela semana, sempre me trazendo presentes, utensílios domésticos ou ferramentas. Na verdade, tanta solicitude havia começado a me incomodar.
- Boa noite Sr. Walter. O que deseja?
- Boa noite, eu vim para perguntar porque você chegou tao tarde em casa. Geralmente sempre volta no ônibus das 18:00, mas dessa vez chegou em casa as 21:30.
Eu havia ido jantar com minha assistente após o trabalho, por isso o tal "atraso" em chegar em casa. Mas enquanto eu olhava para aquele senhor de cabelos brancos e braco tremulo, me perguntava porque razão ele parecia estar me monitorando.
- Você é sozinha, precisa tomar cuidado - ele continuou, talvez tentando se explicar -  existem muitos idiotas soltos por ai. Mas não se preocupe, eu tenho uma arma.
Não acredito que comunicar a posse de uma arma seja a melhor forma de tranquilizar alguém. Mas ele se virou e deixou a minha porta após isto. Eu, a esta altura, já não tinha mais sono...
Durante aqueles dias, a arrumação do apartamento prosseguia. Caixas de papelão e pedaços de isopor se espalhavam por toda parte. Admito que decoração de interiores nunca foi o meu forte. Alias eu nunca tive tempo para isso. Trabalhando em tempo integral, sem carro e em pleno inverno, pregar algumas fotos na parede no final do dia já era motivo de celebração.
Como parte do processo de adaptação, encontrei uma igreja próxima do local onde eu morava. As pregações em alemão suíço não facilitavam a minha compreensão, mas eu não precisava entender nada. Apenas estar lá já me fazia bem. A igreja também me proporcionou a oportunidade de conhecer muitos habitantes locais com um coração enorme. Essas pessoas  me convidavam para almoçar nos finais de semana e sempre ligavam para perguntar se as coisas estavam bem. Um certo dia até organizamos um almoço com comida brasileira para que pudessem experimentar: arroz, feijão com calabresa e bacon, farofinha, couve refogada... Os suíços comeram e repetiram.
Na empresa as coisas seguiam de maneira desafiadora. Ser uma mulher brasileira trabalhando em um ambiente predominantemente masculino, significava também ter que aguentar certos olhares e comentários que não me agradavam. Mas faz parte do processo de maturidade saber que nem tudo na vida vai ter o mais doce sabor. Superior a isto, é preciso acreditar que todas as coisas continuam colaborando para o nosso bem. Nessa situação transitória, a minha pequena fé era, em alguns momentos, tudo o que eu possuía. Mas todo o stress era compensado com passeios pelas montanhas nos finais de semana, esqui e outros esportes.
Porém certo dia, voltando de uma viagem de negócios, abri a minha caixa de correio e encontrei um envelope grande e amarelo, sem remetente, ou selo do correio. Curiosa, rasguei o envelope rapidamente. As muitas paginas dentro dele me surpreenderam e ao olhar para o conteúdo, eu não tive forcas para segurar a mochila que caiu no chão.

(continua... )



* Alguns nomes foram modificados para evitar a identificação das pessoas, porque as histórias aqui escritas são verdadeiras. 

Monday, October 27, 2014

A minha nova vida nova

Abri a porta do apartamento vazio pela primeira vez. Era dificil de acreditar, mas aquela seria a minha nova casa. As paredes ainda cheiravam tinta, nao havia moveis nem luzes. Olhar para todo aquele espaco que deveria ser preenchido apenas por mim me fazia sentir assustadoramente solitaria.  Antes era comum que toda a minha vida coubesse dentro de um pequeno quartinho de 14 metros quadrados. As roupas nao eram muitas, o computador em uma mesinha e um colchao no chao. Nao era necessario possuir mais do que isso. Era assim que eu havia passado os ultimos anos na Alemanha. Mas agora em uma outra terra, uma nova vida me aguardava. Os poucos pertences nao eram suficientes para encher os comodos vazios.
Percebi entao que teria muitas coisas para comprar nos proximos meses. A lista de prioridades comecava por itens bastante basicos: cama, guarda roupa, pratos, copos...
 Nao demorou muito para que eu descobrisse que tudo isso custava bastante dinheiro, especialmente na Suica. Tambem nao demorou muito para que eu esbarrasse em questoes basicas de logistica e transporte, por exemplo, como mover um sofa para o terceiro andar sem um elevador.
Sem um carro, e acostumada a andar de strassenbahn, me surpreendi ao descobrir que muitas das lojas na regiao ficavam localizadas longe das zonas residenciais e com acesso possivel somente por automovel. Atravessei uma fazenda a pe, pulei a linha do trem, e corri de um cachorro para conseguir chegar no centro comercial que vendia moveis mais proximo de onde eu morava (detalhe, era inverno). Na volta, chamei um taxi, claro.
Felizmente, Deus colocou pessoas muito boas no meu caminho, que me ajudaram no transporte e montagem da mobilia nova. As caixas se amontoavam pelo corredor e meus finais de semana incluiam obrigatoriamente passeios pela IKEA.
A campainha soou:
- Boa noite! Eu sou o zelador do condominio. Moro no predio ao lado, da minha sacada vejo o seu apartamento. - Disse o velhinho com o braco tremulo que bateu a minha porta naquela quarta-feira anoite. - Vejo que voce é nova por aqui. Se precisar de algo, aqui está meu telefone.




Sunday, June 29, 2014

Não quero mais um inverno...

"Vielleicht kommt dann kein Winter mehr, ich will keine Winter mehr"

Ao retornar do Brasil, encontrei-me com aquele típico cenário de novembro -  as folhas secas como um tapete se espalhavam pelas ruas e um céu cinzento cobria a cidade.
Era o final do outono marcando também o final daqueles anos de vida na Alemanha.
Naquele ano também comemorei o dia de ação de gracas (Thanks Giving) pela primeira vez, a convite de uma amiga. Eu percebi que não me bastaria apenas um dia para agradecer por tudo o que havia em minha vida recebido. Especialmente porque gratidão não deve ser um ato isolado, mas apenas o reflexo de um andar em continua ciência de que todo o bem recebido é vindo por mera graça.
No topo da minha lista de agradecimentos, estão em primeiro lugar as pessoas que encontrei pelo caminho durante essa longa caminhada, e era com eles que eu celebraria aquele momento.
Entre brindes e lagrimas, assim todos nos despedimos.
- A festa não está acabando, apenas mudando de endereço.- Disse uma amiga.
Sim, mais uma mudança nessa minha vida cigana. Eu lacrava as caixas e rasgava o coração por precisar partir mais uma vez. Também precisei fazer umas comprinhas adicionais - pois durante o verão eu  havia doado as minhas roupas de inverno para uma instituição social, pensando que voltaria a morar no Brasil.
Eu imaginava que a minha partida seria um final de uma história. Não poderia imaginar o que ainda estaria por vir...



"Und jeder Atemzug, hängt am seidenen Faden, solang bis wir da sind"

Monday, June 2, 2014

Das coisas inexplicáveis...

"E Deus disse: Moisés, diga ao povo que marche!" - explicava meu pai sentado a mesa farta na hora do almoço. Na casa de Dona Clores, minha avó, não é apenas o alimento para o corpo que é abundante, mas também aquele para a alma. A minha família de reformados, mesmo após a ida do vovô, continua esbanjando discussões teológicas com carne assada e bons vinhos.
"Ele não deu uma direção específica, quantos graus para o norte, quantos centímetros deveriam parar em frente ao mar... Ele penas disse que marchem. O povo marchou e o resto aconteceu." - continuava meu pai.
Argumentos ou contra argumentos surgiam dos vários tios, tias, primos... Todos protegidos por referencias diversas e a conversa se estendia até o entardecer.
Os gatos passeavam entre as nossas pernas sob a mesa e era difícil resistir a mais um pedaço de bolo.
Naquele momento, eu comecei a entender qual era a minha mensagem. Era hora de marchar.
Minha avó segurou a minha mão novamente e me disse: "Filha, estamos muito felizes por você e seu novo emprego. Vá com Deus para esse reino e encontre seu príncipe no alto da montanha."
É bastante claro que um dos últimos sonhos da minha avó é ver o meu casamento. Eu pedi a Deus que ela viva o suficiente para isso.
Mas após esses momentos, eu pude sentir que todas a minhas inseguranças quanto a me estabelecer em uma terra nova eram apenas pequenos detalhes. Encontrar um apartamento, comprar toda a mobília, conhecer pessoas novas, isso tudo que eu pedia são coisas tão pequenas comparados a imensidão do nosso criador. O meu temor era apenas uma reflexão da minha falta de fé.
Passeando com meu irmão a beira do rio,  nós tiramos várias fotos, demos boas risadas e eu pude me despedir da paisagem que sabia demoraria para ver novamente.
Então, com o contrato assinado, parti novamente. Dessa vez levando comigo todos os documentos que havia esquecido da última vez.




Wednesday, May 28, 2014

As surpresas da vida

Estávamos todas deitadas na piscina do SPA. As bolhinhas massageavam as nossas costas enquanto tagarelávamos incansavelmente. Como era bom estar com as minhas amigas. Eu não poderia imaginar uma outra vida longe daquela que eu havia estabelecido na Alemanha.
- E a sua entrevista como foi? - perguntaram....
Passei algumas horas contando todas as aventuras que se passaram no reino encantado e como eu estava esperançosa de conseguir aquela vaga, mas ao mesmo tempo bastante aflita com a necessidade de me mudar novamente...
Mas como não precisamos de muitos motivos além da própria vida para comemorar, fomos para casa estourar uma champanhe.
 Se passaram alguns dias, era um sábado anoite eu estava dentro do trem, indo encontrar uma amiga em uma dessas kneipes no centro da cidade quando recebi a chamada para uma segunda entrevista.
Um trem, outro trem, um atraso e perdi todas as conexões... Cheguei em algum ponto no meio da Suíça, a última estacão de trem que consegui alcançar era em uma pequena vila chamada Sargans, já perto de Liechtenstein. Era tarde da noite, não haviam mais trens ou outras formas de condução disponíveis.
Ainda bem que eu havia guardado o número do meu amigo taxista. Ele foi o meu socorro, me buscou, me levou até o reino encantado e me deixou na porta do hotel onde eu deveria ficar - e não quis cobrar nada pela longa jornada.
No dia seguinte, houve a segunda entrevista e a oferta de uma excelente posição naquela empresa.
Então voltei para a Alemanha.
Com um contrato em mãos e um enorme dilema em minha mente, eu apenas consegui correr na direção contrária as minhas duas opções:
- Alo? Mãe? Eu to indo pra casa!



Saturday, April 12, 2014

Um reino encantado

Ele tinha uma voz muito simpática. Disse que ligava de uma empresa que ficava em um pequeno país chamado Liechtenstein (precisei dar um mega zoom no Googlemaps para encontrar). Ele disse também que cobriria todas as minhas despesas com transporte e hospedagem caso concordasse em comparecer para a entrevista.
Mesmo que exitante, simplesmente fui.
Fui de trem. Alias, trens. Precisei de várias conexões até chegar na borda da Suíça em um pequeno vilarejo localizado no vale entre duas cadeias montanhosas chamado Buchs. De lá peguei um táxi que atravessou a fronteira para o reino de Liechtenstein.
Era um domingo, o sol estava a se por entre as montanhas. Pela janela do carro eu observava a paisagem encantadora, porem solitária. Não havia ninguém  pelas ruas, em parte alguma. Parecia uma cidade fantasma. O taxi parou em frente ao meu hotel. Também vazio. Embora a porta estivesse aberta, não havia ninguém na portaria, ninguém no restaurante, ninguém na sala de espera... Porém havia um envelope em cima do balcão e meu nome estava escrito nele. Dentro, uma chave e um número.
Aquilo tudo era para mim estranhamente intrigante.
Felizmente no dia seguinte pude ver alguns poucos funcionários do hotel no café da manha. Todos eram muito simpáticos e eu adoro uma conversa... Mas eu tinha um compromisso a comparecer.
Após uma longa entrevista na empresa - quase cinco horas - finalmente me disseram que eu poderia voltar para casa e caso fosse selecionada, entrariam em contato comigo. Exausta, chamei o taxi novamente.
Ao me deixar no hotel, o taxista disse:
- Você é uma pessoa muito simpática, descanse um pouco e se quiser mais tarde eu te levo para fazer um tour pelo reino.
Fiquei surpresa pelo convite. O taxista também não me deixou pagar pela corrida.
Desconfiada, cansada e sem entender nada, fui para o meu quarto.
Mas pensando bem, já que eu estava por lá, porque não ir dar uma voltinha?
Aceitei o convite daquele homem desconhecido, naquele país onde eu nunca estive antes.
Achei que seria melhor correr o risco do que ficar o resto do dia no hotel acessando o Facebook...
Ele era nativo daquela região. Nascido e crescido em Liechtenstein. Com muto orgulho, ele me levou pelas montanhas e castelos. Era apenas mais uma alma solitária em busca de uma boa conversa. Eu havia encontrado o meu primeiro amigo naquele país.
No dia seguinte parti para Darmstadt, na Alemanha, sem saber que retornaria em breve para aquele reino...
Eu, visitando a plantação de uvas do príncipe de Liechtenstein. - Foto tirada pelo meu amigo taxista.